A tragédia provocada pelo terremoto de magnitude de 7,0 graus na escala Richter ocorrido no Haiti, me trouxe a lembrança de um abalo ocorrido em Vitória com magnitude 6,3, graus, o segundo maior já documentado no Brasil, segundo a UnB, que muita gente desconhece ou esqueceu. O epicentro foi localizado a 300 quilômetros da costa capixaba na altura de Vitória. Eram quase 11 horas da noite de 28 de fevereiro de 1955. Não havia televisão e as pessoas costumavam dormir cedo.
O susto acordou muitos moradores de Vitória que foram para as ruas e praças, vestidos com pijama e camisola, em busca de uma explicação plausível. O tremor se espraiou por Vila Velha, Cariacica, Guarapari e Colatina e levou a população a especular inúmeras possibilidades. Militares alojados no Quartel da PM em Maruípe acordados pelos movimentos das paredes, viram pela janela uma bola vermelha de fogo no horizonte da Praia de Camburi, para moradores da Praia da Costa a bola era alaranjada. Uma explosão vulcânica? Um meteorito caíra no mar?
Um bom registro desse dia está na reportagem do saudoso José Luiz Holzmeister, um dos melhores jornalistas de sua geração, que varou a madrugada para levantar com apuro os fatos daquela noite, mesmo com as limitadas condições da época, em que a redação do jornal tinha apenas três aparelhos telefônicos. Tudo a tempo de publicar a matéria no dia seguinte. Um exemplo de dedicação e respeito aos leitores.
Veja a matéria na íntegra:
A terra tremeu em Vitória
FENÔMENO SÍSMICO OU METEÓRICO? – “ERA COMO UMA IMENSA BOLA DE FOGO, DE UM FOGO COR ALARANJADO, QUE SE MOVIMENTAVA” – TODA A CIDADE SOBRESSALTADA COM UM ESTRANHO TREMOR QUE PARECIA VIR DAS ENTRANHAS, QUE DUROU ALGUNS SEGUNDOS – O PRIMEIRO AVISO VEIO DE VILA VELHA – SEGUIRAM-SE CENTENAS, ENTRE OS QUAIS, DOIS DO INTERIOR - NOSSA REPORTAGEM PERCORREU BAIRROS E MUNICÍPIOS VIZINHOS – UMA EXPLICAÇÃO QUE NOS PARECEU ACERTADA – TAMBÉM EM GUARAPARI E COLATINA FORAM SENTIDOS OS EFEITOS DO TREMOR.
Reportagem de José Luiz Holzmeister
Eram mais ou menos 22 horas e 55 minutos quando um telefonema de um colega, Enio Pereira, residente em Vila Velha nos dizia que a terra havia tremido ali. A princípio pensamos ser brincadeira. Mas a afirmativa perdurava e então resolvemos tomar as primeira notas e entrar em ligação com outros moradores naquela localidade. Desligado o telefone, outra chamada, agora da residência do Sr. Schnaider, contando-nos a mesma cousa. De acordo com a segunda comunicação, que confirmava plenamente a do repórter Enio Pereira, um tremor de terra de alguns segundos foi sentido onde se notava claramente portas e janelas tremerem à rua Henrique Moscoso. A população da cidade vizinha, sobressaltada, deixava suas casas, enchendo as ruas. Os mais variados trajes se podiam notar.
Dezenas de outros telefonemas
Nesta altura, já os três aparelhos telefônicos da redação já não davam contas. Eram comunicações de todos os recantos. De Itaquari, do repórter Gualter Golçalves; da Praia do Canto, do dr, Diomar e do Sr, Alberto Busato; de Santo Antonio , do Sr, Elias Vieira, motorista profissional; do Morro da piedade, do vereador Raulino Golçalves, entre outros....
Comissões de moradores de bairros
Estávamos na azáfama de atender telefones quando formos visitados por várias comissões de moradores de bairros distantes e morros adjacentes. Entre os visitantes, pudemos mais calmamente conversar com o Sr. Jarbas Miranda, residente em Santo Antônio, que veio acompanhado dos srs. Jair Có, Luiz Carlos Bastos, Rubens Azevedo e Paulo Lourosa. Disse nos que estava no interior de sua casa quando sentiu algo estranho como um tremor . Segundo depois, agira com mais intensidade notou que porta e janelas de sua casa tremiam. Não resistiu e saiu. Do lado de fora notou que numerosas pessoas fazia a mesma cousa. Um pânico geral tomou conta de todo o bairro de Santo Antônio e minutos depois ruas e praças se encheram de gente que procurava saber o que havia. Um estado de apatia a todos envolvia. Sentiu o mesmo fenômeno ocorrido com a explosão de Caratoíra. Mas desta vez. Fora um tremor de terra, no duro.
Novamente o vereador Raulino Gonçalves
Novamente pudemos palestrar com o vereador Raulino Gonçalves. Um dos primeiros a nos telefonas. Mais calmo, o edil vitoriense nos contou que estava em seu gabinete quando notou que lápis, réguas e todos os apetrechos de seus desenhos dançavam sobre a cartolina. Sua menina de 10 anos disse: Pai, a cama está tremendo”. Portas e janelas, conclui nosso informante, tremiam como bambus ao vento. Abri as janelas e notei que meus vizinhos notaram o mesmo fenômeno e dentro me pouco todo o morro da Piedade estava cordado, com o povo nas ruas sobressaltado.
Nossa reportagem percorre os bairros
Tão logo recebemos os primeiros telefonemas nossa reportagem se pôs em campo, percorrendo todos os bairros da capital, de Praia do Canto a Santo Antônio, de Maruípe aos Barreiros, alongando-se por Jardim América, Itaquari, Campo Grande, Itacibá, no município de Cariacica; Cobilândia, Paul, Argolas e Vila Velha, no município do Espírito Santo e pode constatar que o fenômeno foi sentido em todos esses locais. Alguns notaram no horizonte, para os lados do mar, uma espécie de bola de fogo, de uma cor alaranjada.
Também em Guarapari e Colatina
Enquanto nossa reportagem percorria as ruas centrais, bairros e distritos, procuramos nos comunicar com Colatina, Guarapari e outras cidades. Apenas dessas duas recebemos notícias e essas esclarecendo que ali o fato fora notado. Em Colatina, tanto do lado da cidade como do lado norte foi pressentido o tremor por várias pessoas, tendo em Guarapari, numa certa casa residencial, uma cama percorrido mais de um metro pelo tremor.
Fenômeno Sísmico ou Meteórico?
Para o fato há três versões diferentes. A primeiro seria uma explosão violenta como a ocorrida há tempos nos depósitos do DER em Volta de Caratoíra. Esse fenômeno foi posto à margem, pois nada conseguimos descobrir em nossa peregrinação pelos quatro cantos da cidade e de nada dizerem notícias mais longínquas. Restam portanto, duas últimas: ou um fenômeno sísmico, um tremor de terra, ocasionado segundo os geólogos, devido a deslocações da crosta terrestre nas regiões instaláveis, mesmo as que estão associadas a erupções vulcânicas, ao longo das cadeias recentes, e que se formaram depois das deslocações da era terciária, onde se agrupam as regiões de maior sismicidade. Sendo o Brasil um dos países do mundo que menos mudaram de longas épocas a esta parte devendo, pois, a priori ser indenes de tremores de terra, embora se tenha em 1901 registrado em Bonsucesso uma série de abalos, explicando-se este sismos pelo fato de que a Serra Gral é o escarpamento final de um planalto de grés. Desmente ser o Brasil imune de tremores de terra o professor Brannei, que apresentou uma lista de cinquenta sismos, o primeiro verificado em 1560, embora se duvide da sua autenticidade; ou finalmente por causa de algum meteoro a a exemplo do celebre Bedengó que se encontra no Museu Nacional, caído no sul da Bahia, e cujos efeitos, segundo historiadores, foram sentidos a centenas de quilômetros em círculo.
Uma explicação aceitável
Estávamos concluindo esta rápida reportagem sobre o fato mais sensacional já ocorrido em toda a história do Espírito Santo, no setor dos fenômenos, quando um telefonema nos pôs em comunicação com o Tenente Décio Nascimento, oficial de dia do Quartel de Maruípe. Contou-nos aquele oficial da Polícia que estava no seu alojamento quando foi alarmado pelo tropel de dezenas de recrutas que assustados, deixaram o prédio onde estava, em desabalada correria. Interrogados disseram que o prédio estava tremendo. Acompanhado do sargento Ajudante, o oficial foi ao local e ao olhar em uma das janelas, justamente onde os soldados diziam ter as paredes tremido, para o lado da praia de Camburi, viu uma bola de cor um tanto esquisita, avermelhada, que se movimentava, Chamou o sargento Rubens e este ainda pode ver a bola nas reentrâncias de montanhas sumindo-se por detrás de um morro. Segundo nosso informante diversas paredes do quartel, de largura pouco comuns, ficaram rachadas, vendo-se pelo chão a caliça desprendida.
Como veem nossos leitores, o fenômeno ontem em Vitória, e mesmo em várias parte do Estado, é inédito no Espírito Santo, havendo suposições diversas. Teria sido uma explosão distante? Estaremos nós sobre uma região vulcânica? Ou foi algum meteoro que se desprendeu? Com as palavras os cientistas.