sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ninguém notou, ninguém morou/Na dor que era o seu mal/A dor da gente não sai no jornal*

Só ao lado da mãe que o adotara é que sua existência no mundo fazia sentido, que se percebia como um sujeito inteiro, só o amor dela o tornava um indivíduo. Fora disso, desde criança fora repelido da convivência dos coleguinhas de escola e nenhuma garota, mesmo a mais feia do colégio, a rejeitada que fosse, dele se aproximara. Viveu uma vida de castidade. Da mãe biológica, que não conhecera, recebeu detestável herança esquizofrênica. Ele era deplorável, Todos o achavam detestável, dele se afastavam. Não era ninguém. Agora a mãe adotiva estava morta. Quem ele era? De quem era a culpa? Quem deveria pagar pelos pecados do mundo cruel? Era preciso ressuscitar, ser alguém para viver, mas a resposta estava na morte, na extinção do que simbolizava o repudio a ele imposto tão dolorosamente. Agora, após o massacre, todos falariam dele, sairia da obscuridade, do ostracismo e passaria a ser alguém, um indivíduo, ganharia luzes. Não importava que tivesse provocado dor e tragédia. Agora, era um sujeito, ao seu jeito, inteiro. Mas não teve tempo para saber, que só então sucumbiria ao derradeiro desprezo; ninguém procurou liberar seu corpo impuro e foi enterrado como indigente. Sem rituais, sem perdão, na vala comum do horror dos nossos tempos.

*Refrão do samba Notícia de Jornal de Haroldo Barbosa e Luiz Reis

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